Nas décadas de 1960, 1970 e 1980, já se usava a expressão “neonazismo”, mas ainda era mais comum falar simplesmente de nazismo. Causava sensação a suposta ou efetiva descoberta de algum velho militante do regime hitlerista escondido em algum recanto do Brasil (Bormann [???], Mengele, Stangl, Wagner). Tudo isso desencadeou, por este país afora, vários surtos de histeria, sobretudo nos três estados do sul, como se eles estivessem coalhados de nazistas, autóctones ou para cá fugidos ao final da Segunda Guerra Mundial. Marcos Eduardo Meinerz estudou esse tema, em dissertação de mestrado [https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/30534/R%20-%20D%20-%20MARCOS%20EDUARDO%20MEINERZ.pdf?sequence=1&isAllowed=y]. O próprio “Show da vida” invadiu, num determinado domingo à noite, os lares brasileiros com uma história fantástica sobre uma misteriosa “casa nazista” em Marechal Cândido Rondon (Paraná) – a dissertação de Marcos fala dela.

 

 

Esses surtos incluíram um episódio em um conjunto de municípios do interior do Rio Grande do Sul, onde – durante um período relativamente longo – casas, prédios, fábricas, muros apareceram pichados com suásticas, sem que a polícia conseguisse identificar autores. O episódio teve enorme repercussão. Em livro publicado dois anos depois, lê-se o seguinte: “Nos muros e paredes só dava suásticas pintadas. Era a Semana da Pátria de 19[...], e, apesar de os 65 mil habitantes de [...], pequena cidade a [...] quilômetros ao norte de Porto Alegre, serem, na maioria, descendentes de alemães, não seria correto suspeitar do patriotismo da boa gente da terra. Também a provocação não era privilégio do município. Em sete outras cidades da zona de colonização germânica, com maior ou menor intensidade, foi o mesmo escarcéu de nazismo. Desorientadas, as espantadas autoridades competentes saíram com uma explicação simplista para o acontecimento. ‘Deu uma saudade doida de Hitler no pessoal’”. Contava-se, na época, que uma grande empresa jornalística estava negociando com a NASA o estacionamento de um satélite sobre a região, a) para tentar identificar os pichadores, mas, sobretudo, b) para viabilizar a transmissão, “ao vivo e a cores”, da implantação do IV Reich, no planeta, a partir lá do interior do Rio Grande do Sul – acontecimento que era apresentado como iminente, e absolutamente certo! Escritores estabelecidos por lá publicaram livros denunciando a nazificação total, absoluta e completa da sociedade regional; até mortos foram denunciados como mentores intelectuais da barbárie, que, supostamente, grassava ali. A revista Manchete, do Rio de Janeiro, noticiou que "o Ministério da Justiça fez um surpreendente pronunciamento, à semana passada, sobre o alastramento da propaganda nazista no Rio Grande do Sul", e o famoso caçador de nazistas Simon Wiesenthal teria declarado que "os estados sulinos [do Brasil] são o maior esconderijo de criminosos de guerra do III Reich em todo o mundo". Com repercussões tão bombásticas, esta foi, disparadíssimo, a maior "onda" de nazismo registrada no Brasil, da Segunda Guerra Mundial até hoje.

 

Algum tempo atrás, fui a um congresso de História, e, na noite de abertura, um colega, ao cumprimentar-me, disse que tinha um fato muito interessante para me contar. Obviamente fiquei curioso, e, felizmente, pouco tempo depois ficamos relativamente a sós para ele relatar a novidade. É professor universitário na região em pauta, e estava conversando com um grupo de pessoas, quando lembrou a “onda nazista” que atingira o município e comunidades vizinhas, anos antes. Um dos integrantes do grupo disse ao colega que a maioria das suásticas fora desenhada por ele (então com 15 anos de idade). Diante do espanto do professor pelo fato de que conhecia essa pessoa como “comunista” histórico, ela explicou que, na época, pertencia à juventude “comunista-revolucionária” (PCBR), e que um grupo decidira agir à revelia de seu conhecido líder. Resolveram pichar com suásticas casas, empresas, muros de todos aqueles que seu chefe, em algum momento, havia classificado como “reacionários”, “fascistas” e qualificativos semelhantes.

 

O líder “comunista-revolucionário” é originário da Campanha gaúcha, mas fizera toda a sua carreira profissional na “colônia” – naquilo que tange ao tão propalado racismo dos “colonos”, inclusive, havia publicado, dois anos antes, um livro no qual, baseado em pesquisa de campo, afirmara que não havia diferença no grau de preconceito ou de racismo entre as populações das mais diferentes origens étnicas, no estado (segundo seu Currículo Lattes, 22 anos depois publicou um livro com título muito semelhante ao primeiro, mesmo que com apenas cerca de metade das páginas deste – infelizmente, não foi possível ter acesso a ele, motivo pelo qual não se sabe se o autor, eventualmente, mudou de ideia sobre os “alemãos”, mas isso não tem importância, pois aquilo que aqui interessa é sua opinião à época dos acontecimentos em pauta). Como o líder “comunista-revolucionário” nutria pretensões políticas na região, o pichador contou que só faltou apanharem com vara de marmelo quando o “chefe” ficou sabendo que tinham sido seus liderados que haviam feito as pichações.

 

Diante desse fato, pode-se imaginar que histórias fantásticas o futuro nos reserva sobre as ondas mais recentes de “neonazismo” fabricadas por antropólogo(a)s, policiais, procuradore(a)s da República, jornalistas, zeladore(a)s dos Direitos Humanos Universais. As pichações feitas em Teutônia, na noite de 20 de agosto de 2010, foram desmascaradas de imediato – aparentemente, só o então procurador da República em Lajeado e uma técnica pericial em Antropologia do MPF-RS acreditaram (continuam acreditando?) em Papai Noel! [21/8/2015]