Recentemente, li uma entrevista com o sociólogo José de Souza Martins, na qual ele criticou os sociólogos brasileiros pela sua parcialidade, e consequente falta de cientificidade de suas manifestações, de seus escritos. Em minha opinião, de forma equivocada, deu uma “colher de chá” aos jornalistas: “o jornalista sempre tem a desculpa de que as notícias mudam de um dia para o outro. Mas os sociólogos não podem dizer isso de jeito nenhum”.

 

Aproveito esta observação para tecer um pequeno comentário em relação a um tema sobre o qual fiz alguma pesquisa, o “neonazismo”, sendo autor de um pequeno livro intitulado O neonazismo no Rio Grande do Sul. Tomando por base a reportagem “Por que há tantos grupos neonazistas em Santa Catarina?”, que pode ser vista no link abaixo, fiquei preocupado com o fato de que esta reportagem, aparentemente, foi endossada pela Deutsche Welle, pois acima do nome do autor, Edison Veiga, está o emblema DW. Pergunto onde teria estado a “deutsche Gründlichkeit”, a “meticulosidade alemã”, quando esta matéria foi sancionada e tornada pública por este importante órgão de imprensa?

 

A reportagem é demolidora, ainda que entremeada daquelas bobagens do “politicamente correto” de que "o povo catarinense não tem culpa". Quanto às pessoas entrevistadas para a reportagem, isto é, as fontes, minha opinião sobre a qualidade da ciência praticada por Adriana Dias em relação ao tema “neonazismo” pode ser vista clicando aqui. Mas aparecem mais duas outras pessoas a palpitar. Ambas são identificadas como “historiadoras” (lembrando que na Alemanha se gosta de utilizar a palavra Geschichtswissenschaft, Ciência Histórica). Fui verificar o Currículo Lattes delas. Uma é doutoranda, mas não tem UM ÚNICO registro de produção específica sobre o tema “neonazismo”; o currículo da outra diz que é graduada em História pela UFSC, em 2010, mas a última atualização do currículo ocorreu em 4/6/2013 (!), fato que sugere que também não deve possuir produção específica sobre o tema que a coloque como especialista.

 

É lamentável que o jornalismo cometa esse tipo de irresponsabilidade – sobretudo o jornalismo da Deutsche Welle –, pois em Santa Catarina há especialistas efetivos em imigração/colonização alemã (o cerne das considerações feitas na matéria), bem como sobre outros temas afins. Lamento, Senhores da Deutsche Welle. Repito aquilo que escrevi na nota sobre Adriana Dias: infelizmente as agressões à ciência no Brasil não provêm somente de integrantes da atual situação política dominante, de seus asseclas e de seus ideólogos!

A qualidade científica do texto sobre o povo de Santa Catarina está abaixo de qualquer crítica. Se estivesse classificado como editorial, expressamente como palpite, poderia discutir-se sobre sua adequação, mas como matéria informativa - isto é, formativa - realmente é lamentável, pois seu potencial para instigar ao ódio étnico-racial é enorme. Prezada Deutsche Welle, vocês não precisam manifestar remorsos pela suposta maldade dos descendentes dos patrícios de vocês que vieram para este país. Objetivamente, eles não são tão maus quanto uma parcela do senso comum mais rasteiro afirma e propala. Sugerir sua desnazificação é realmente um ato atentatório a sua dignidade. Não sou jurista, mas pergunto se uma manifestação desse calibre não pode ser classificada como racista (lembrando que atos de racismo são imprescritíveis, no Brasil, desde 1988)?

Para simples efeitos de informação, lembro que o Art. 20 da Lei 7.716/89 (com sua modificação pela Lei 9.459/97) classifica como racismo "praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional". Talvez não seja de todo desimportante lembrar que existe decisão judicial sacramentada pelo STF que inclui os "alemães" na categoria "procedência nacional", portanto o povo "alemão" de Santa Catarina está abrigado por esta lei. Para ver de que estou falando, clicar aqui.

Lanço um desafio à Deutsche Welle: que faça uma matéria em que cite um antropólogo ou uma antropóloga que proponha que o governo "faça um processo de desnazificação" da população de determinada  outra raça, etnia ou procedência nacional que a de Santa Catarina, em qualquer parte deste país. Só para vermos que acontece. O desafio está lançado! [12/2/2021]

 

https://www.bol.uol.com.br/noticias/2020/11/02/por-que-ha-tantos-grupos-neonazistas-em-santa-catarina.htm