No dia 10 de março de 2021, ocorreu um protesto, na frente do Palácio Piratini, em Porto Alegre, contra as medidas restritivas à atividade econômica decretadas pelo governador Eduardo Leite.

No contexto deste protesto, Doris Denise Neumann divulgou um vídeo com os seguintes dizeres: "Os alemães vão entender a frase que eu vou falar: Arbeit macht frei. Não foi isso que a gente aprendeu? Que o trabalho nos faz ser livre. Pois aqui nós estamos reivindicando o trabalho. Se o governador que foi posto por nós no poder para a decisão não decidir que nós possamos trabalhar, a gente tira ele".

Como a autora da frase é advogada, portanto possui educação de nível superior, não se pode admitir que não tenha consciência da origem da expressão em alemão – ela estava escrita sobre os portões de entrada dos campos de concentração nazistas. Neste sentido, o vídeo é repugnante, abominável, e é compreensível que tenha gerado protestos.

Infelizmente, os protestos e as manifestações a respeito não estão isentos de perigosos senões. Mesmo entidades de respeito insistiram em qualificar a autora da manifestação como “ex-candidata a prefeita na cidade de Nova Petrópolis”. A pergunta que se impõe refere-se ao porquê deste qualificativo. Decidida e definitivamente, ela não compareceu nesta condição ao protesto. O fato de que tenha assumido a presidência do diretório regional do partido Patriotas, no Rio Grande do Sul, em abril de 2020 (mesmo que, aparentemente, apenas em caráter interino, temporário), indica que faz parte da elite partidária, e que esteve no protesto como representante desta condição – jamais como representante do povo de Nova Petrópolis. [Me penitencio, errei, ela não assumiu como presidente do partido, mas como presidente do "Mulher Patriota" - mas o erro não invalida meu argumento]. Sua importância como liderança partidária pode ser avaliada pelas fotos públicas com Bolsonaro e com ministros, como Abraham Weintraub. E é esta situação que ela representava no protesto em Porto Alegre. Justíssima, portanto, a reação indignada da Prefeitura Municipal que repudiou o abominável “vínculo com a cidade e o povo de Nova Petrópolis”.

Segundo notícias de imprensa, foi aberto um procedimento policial, pela delegada Andrea Mattos, com base no artigo 20 da lei 7.716/89, que configura como crime "praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional". Interessantemente, segundo as matérias jornalísticas, a delegada não invocou o § 1º deste artigo: “fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fim de divulgação do nazismo”. Portanto, apesar de a frase em alemão lembrar o nazismo, o enquadramento se daria por racismo, em sentido geral.

Lamentei muitas vezes não ter estudado Direito. Mas, neste caso, como leigo, vejo que a manifestação de Neumann não apresenta nenhuma evidência expressa de que tivesse sido pronunciada com a intenção de “praticar, induzir ou incitar ...”. Este sentido é deduzido e atribuído, mas sem provas concretas. A pergunta que faço à delegada é se esta mesmíssima lógica de deduzir, atribuir não poderia/deveria ser aplicada às manifestações dos vários formadores de opinião que insistiram em qualificar Neumann como “ex-candidata a prefeita na cidade de Nova Petrópolis”? Pergunto por que seria totalmente descabido inferir deste fato uma intenção (também, não expressa!) de “praticar, induzir ou incitar ...” contra o povo de Nova Petrópolis, justamente por sua suposta ou efetiva “procedência nacional”? Do contrário, por que esta insistência na citada qualificação, quando ela não tinha NADA a ver com o protesto?

Li em comentários de leitores deixados em órgãos de imprensa online que Neumann não falaria (ou falaria mal) alemão. Como se trata de apenas três palavras, é difícil emitir um veredito inequívoco. De fato, ela pronuncia “Arbeit” assim como se escreve (e não Arbait), mas no “macht” ela pronuncia o “ch” correto (gutural, e não como “x”), e o “frei” está correto. Isso sugere que ela não desconhece por completo o alemão. Mas deve-se ter cuidado em concluir, de forma simplória, que isto implique, ipso facto, “germanidade” pura, isto é nazismo, mas sobretudo que ela represente o “resumo”, a essência do povo “alemão” de Nova Petrópolis.

Estou refugiado do coronavírus em meio a morros, sem muita ligação com o mundo. Por isso, não posso fazer uma “pesquisa de campo” em Nova Petrópolis, mas recorri a informações básicas sobre as eleições locais de 2020. Analisando o quadro eleitoral no município, constatei os seguintes dados, que publico para, eventualmente, avançar-se numa discussão mais racional, e menos preconceituosa, sobre o tema.

Como candidata à prefeita, Neumann obteve 10% dos votos, 90% foram para outros três candidatos. Seu partido lançou 13 candidatos a vereador, dos quais 7 não possuem nenhum indício de descendência alemã em seus sobrenomes. O local de nascimento tem importância relativa, pois a pessoa pode ter vindo ao município como criança, mas, independente disto, 8 são naturais “de fora”. O candidato a vice foi Marco Antonio Soares Garcia. O único vereador eleito pelo partido foi Tarcísio Brescovit, natural de Miraguaí.

O segundo candidato a vereador mais votado do Patriotas foi Ricardo Staudt, natural de Nova Petrópolis; o terceiro foi Luiz Antônio Leite Palmer, o Cel. Palmer, natural de Avaré/SP (verifiquei no Google, e os registros do sobrenome Palmer concentram-se no mundo anglo-saxão); o quarto foi Paulo Arend, de Nova Petrópolis; o quinto foi Valdoir Carvalho Xeró, de Miraguaí (o segundo deste município!); e o sexto foi Patríck Sirangelo Joaquim Maciel, de Araranguá/SC. Estes 6 candidatos obtiveram 86% dos votos dados ao partido, para a vereança. Os dados são, no mínimo, interessantes para quem se propõe a iniciar uma cruzada de difamação contra o povo “alemão” de Nova Petrópolis.

As eleições ao executivo foram vencidas por uma coligação entre PSDB/MDB/PSB (o prefeito é do primeiro, o vice do segundo partido). Verificando-se a nominata dos candidatos a vereador, o PSDB apresentou 11 nomes, dos quais 5 não apresentam indícios de descendência alemã, e 6 são “de fora”. Na nominata do MDB, constavam 13 candidatos, dos quais 4 não denotam descendência alemã, e 5 são “de fora”. Todos os vereadores eleitos por estes dois partidos têm sobrenomes claramente alemães. Os candidatos a prefeito pelo PSDB, Republicanos e Patriotas têm sobrenomes integralmente alemães; o candidato pela coligação PP/PDT foi Jerônimo Stahl Pinto. Com exceção do vice de Neumann, os demais vices (incluindo uma mulher) possuem sobrenomes integralmente alemães. Estes dados sugerem que não foi o partido Patriotas que resumiu e personificou o conjunto do povo de Nova Petrópolis, que, pelo contrário, há indícios de que outros partidos representaram muito mais a suposta ou efetiva “média” da população nova-petropolitana.

Esta nota visa a dar uma contribuição para um debate mais racional sobre o lamentável acontecimento desta semana. [13/3/2021]

 

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